INTRODUÇÃO
Quem gosta de futebol já se deparou com o seguinte debate: Quem é o maior jogador de futebol? Messi ou Cristiano Ronaldo? Não precisamos dizer que há discussões acaloradas entre os torcedores e amantes do futebol. Mas, esta questão de verificar quem é o maior ou melhor, evidentemente não se restringe ao esporte, na verdade marca toda a nossa vida. Nem os discípulos de Jesus escaparam desse terreno de vaidades. Assim lemos em Mateus: “Os discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: ‘Quem é o maior no Reino dos céus?’”.
Isso posto, Mateus reúne aqui instruções para a comunidade de fé. Tema central é a atenção devida aos pequenos, necessitados, extraviados; ressalta-se o valor da humildade, da compreensão e do perdão mútuo. Essas ênfases vêm de encontro à tendência da época (também de nosso tempo) de valorizar o poder, as riquezas, de obter destaque no grupo que se participa. Este estado de coisas se reflete na pergunta em análise: “Quem é o maior?” Como vemos, a resposta de Jesus vai à raiz da questão: “Quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus” (18.4).
Nos dias de Jesus, a criança tinha um baixo status, não era valorizada como na atualidade. Pais podiam entregar filhos para pagar dívidas. Além disso, elas não eram produtivas tanto quanto os adultos. Como observa Tasker, Jesus não diz aqui que as crianças são exemplos de humildade. Todavia, declara que as pessoas arrogantes só poderão possuir a humildade necessária para a entrada no reino dos céus, se estiverem dispostas a ser humildes, ou portadoras de baixo status, como o eram as crianças no mundo antigo.[1]
1. A pureza do Reino
A dinâmica do reino dos céus opera com valores diferentes dos que caracterizam as instituições e as organizações desse mundo. Por essa razão, na Igreja, comunidade que sinaliza o reino na história, os humildes são os genuinamente grandes (1-4) e não os que procuram afirmar-se em poder e grandeza.
Também, podemos considerar o estado de dependência da criança em relação aos seus pais. Principalmente as crianças pequenas, estas dependem de seus pais para viver, para serem alimentadas e cuidadas, caso contrário, a morte é certa. Comparado com outros seres, a humanidade é bem frágil em seus primeiros anos de vida. Assim, encontramos aqui uma lição devocional: devemos ser dependentes de nosso Pai celestial, só assim poderemos entrar no reino dos céus.
Em seguida, a perícope apresenta a séria advertência de Jesus para as pessoas que colocam obstáculos à fé dos pequeninos (“escandalizar”). Segundo Schökel, escandalizar “é em sentido próprio pôr tropeços, provocar a queda. […] Aqui se refere a tropeçar e falhar na fé”.[2] Tasker ressalta que, o acréscimo das palavras, que creem em mim, evidencia que pequeninos neste versículo se refere a um grupo mais amplo que o apenas das crianças.[3] Nesse sentido, podemos inferir que também inclui os novos convertidos, ou imaturos na fé.
As palavras são duras contra os que provocam escândalos: Seria melhor ser morto afogado (18. 6). “Ai daquele homem …” (18.7 3). Por que isto tudo é tão terrível? Porque é um pecado contra o próprio Cristo! Assim, a comunidade cristã deve ter em alta consideração os humildes, os pequenos e as crianças. O reino dos céus perverte a ordem do mundo. Para este, o mais importante é ser poderoso e ter destaque, já para o reino de Deus “quem se faz humilde”, quem não se vê grande ou importante aos próprios olhos.
É visto que o orgulho gera os ciúmes e a divisão na comunidade, a eficácia no trabalho de equipe estava sendo ameaçada. Foi por isso que Jesus passou longas horas com seus discípulos mais íntimos, aconselhando-os acerca dos seus problemas pessoais, para transformá-los em vasos dignos para seu uso. Todos os cristãos podem tirar muito proveito dos conselhos de Jesus registrados em Mateus, capítulo 18.
JENSEN, Irving L. Mateus: estudo bíblico. São Paulo: Mundo Cristão, 1984. p. 74.
3. Ensinamentos sagrados
Na Igreja de Cristo, deve reinar a paz, seja porque não há ofensas, ou porque se busca a reconciliação. Contudo, em praticamente todos os grupos, existe o enfrentamento de conflitos. Nesta passagem de Mateus, vemos como Jesus nos oferece um modelo para lidar com alguém que nos prejudicou (pecou contra nós). Jesus não ensina: “Vingue-se!” Pelo contrário, ele estabelece um processo que começa com a busca de uma reconciliação individual. A bem-aventurança da mansidão significa deixar de lado sua autojustificativa por tempo suficiente para se expressar respeitosamente junto ao irmão que o magoou (18.15).
Em contrapartida, isso não significa submeter-se a novos abusos, mas abrir-se à possibilidade da reconciliação. Entretanto, o que fazer caso isso não resolva o conflito? O segundo passo da restauração do irmão ofensor é pedir às pessoas que os conhecem que acompanhem o processo de diálogo rumo à superação do conflito. Se o conflito ainda não for resolvido, então cabe levar o assunto à liderança da Igreja. Se esse julgamento comunitário não resolver o problema, o infrator/pecador que não aceita a disciplina será removido da comunidade de fé (18.17).
É a partir deste contexto de resolução de conflitos e de advertência ao irmão pecador, que aparece em cena o poder de “permitir e de proibir” da igreja local. Ou seja, “Tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que vocês desligarem na terra terá sido desligado no céu” (18.18). Convém destacar que, não se trata do poder ou autoridade de uma pessoa, mas da comunidade de fé.
Não obstante, Jesus estivesse falando sobre conflitos entre membros do povo de Deus (18.15), seu método é um recurso útil que pode inclusive ser utilizado por outros grupos, como até em nosso local de trabalho. Podemos constatar que surgem conflitos até mesmo nos melhores locais para se trabalhar. Quando isso acontecer, a solução mais eficaz, a princípio, é que os envolvidos no conflito se envolvam diretamente na sua resolução. Portanto, em vez de enfrentar um conflito pessoal na frente de uma audiência, prefira a orientação de Jesus, e, assim, converse com a pessoa em particular. Na era da comunicação eletrônica, das muitas redes sociais, às vezes, vemos irmãos da própria igreja se atacando mutuamente nas redes sociais, e, dessa maneira, tornando público o conflito, que poderia ser resolvido no particular, com uma boa conversa e oração. Certamente é melhor seguir o conselho de Jesus literalmente: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro” (18.15).
4. Quantas vezes perdoar?
Por outro lado, apontar a falha é uma via de mão dupla. Precisamos também estar abertos a ouvir falhas apontadas a nosso respeito. Jesus menciona o termo “ouvir” por três vezes nessa passagem, logo, é uma das palavras-chave. Geralmente, os modelos atuais de resolução de conflitos se concentram em fazer as partes ouvirem umas às outras, mesmo preservando a opção de discordar. Frequentemente, a escuta atenta leva à descoberta de uma resolução mutuamente aceitável. Caso contrário, recomenda-se que outras pessoas, com as habilidades e autoridade apropriadas, se envolvam na questão.
Mas até quantas vezes deveremos perdoar a nosso irmão quando ele pecar contra nós? (18.21) Pedro fez esta pergunta a Jesus e ele mesmo sugeriu: “Até sete vezes”. Conforme Jensen, os judeus, nos dias de Jesus, conheciam bem a tradição rabínica de perdoar não mais que três vezes. “Pedro talvez tivesse isto em mente quando sugeriu a cifra generosa de sete perdões”.[1] Contudo, para surpresa de Pedro, Jesus respondeu: “Eu lhe digo: Não até sete, mas até setenta vezes sete”. Em outras palavras: devemos perdoar sempre!
Para ilustrar a natureza do perdão requerido por Deus, Jesus conta uma parábola que se compraz em contrastes extremos. Ele menciona servos que eram oficiais de alta posição a serviço do imperador. Nesta narrativa, a quantia do primeiro débito é deliberadamente dada com exagero para enfatizar o contraste com o segundo devedor. O primeiro que devia uma enorme quantidade de prata, como não tinha como pagar, prostrou-se diante de seu senhor e suplicou: “Tenha paciência comigo, e eu te pagarei tudo” (18.26). Assim, o senhor daquele servo cancelou a dívida e o deixou ir. Porém, quando este homem saiu, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia uma quantia bem inferior (cem denários) em relação à sua própria dívida. De acordo com a narrativa, o servo impiedoso agarrou o conservo e disse: “Pague-me o que me deve!” O homem suplicou por paciência, mas não foi ouvido, de modo que foi enviado à prisão. Seu mau comportamento chegou aos ouvidos do rei; então o monarca chamou o servo e disse: “Servo mau, cancelei toda a sua dívida porque você implorou. Você não devia ter tido misericórdia do seu conservo como eu tive de você? Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia” (18.32-34).
Conclusão
A lição da parábola é clara: perdoa, e serás perdoado. Os filhos de Deus, assim como foram perdoados por Deus, têm o dever de perdoar. O perdão tem o poder de resolver conflitos, juntar os que estavam afastados pela inimizade e possibilitar novos começos.
De acordo com o biblista Luís Schökel, cem denários corresponde ao salário de cem dias de trabalho de diarista; dez mil talentos (um talento= uns 35 kg) é uma quantidade extraordinária, cem milhões de denários. A narrativa bíblica não explica como o funcionário veio a endividar-se dessa maneira; talvez fosse um governador de província corrupto. Este pede paciência e misericórdia ao credor. Assim, o patrão responde com compaixão e perdoa a dívida. Já perdoado, deveria imitar o comportamento do rei, o que lamentavelmente não acontece.
[1] JENSEN, 1984, p. 76.
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